Do vinil ao USB: a evolução dos 'sonideros' da Cidade do México
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Do vinil ao USB: a evolução dos 'sonideros' da Cidade do México

Mar 03, 2024

Enquanto 30 pessoas dançam ao ritmo de uma cumbia no pátio de uma livraria no centro da Cidade do México, o sonidero Discos Morelos (José Ortega) estuda o ambiente. Alguns segundos depois, ele se abaixa e arrasta em sua direção uma caixa com dezenas de discos de vinil. “Eu brinco com a música e a música brinca comigo”, diz ele. Ele pega um álbum, olha para ele e se prepara para colocá-lo no toca-discos. Ao seu lado, Sonido Continental (Miguel Cruz), anima a torcida. “Um grito para Jorge e para todo o povo de San Luis Potosi…” Este é o fenômeno dos sonideros, os DJs de rua pop-up que o governo da Cidade do México pretende que sejam declarados patrimônio cultural imaterial.

Discos Morelos nasceu há 73 anos no pequeno bairro de Peñon de los Baños, leste da cidade. Ele afirma que este foi o berço do fenômeno e que “só diz o que sabe”. Começou a trabalhar com toca-discos aos 10 anos e ajudava seu tio a transportar seus equipamentos musicais pelos diversos bairros, e desde então não parou mais: primeiro teve uma pequena estante de discos com seu irmão no bairro de Tepito, e depois começou a tocar música em diferentes lugares, em diferentes países. Ele mantém seu estilo: “Você vê as pessoas, entendeu? Tem muita música muito bonita. Você tem que ir de acordo com o gosto das pessoas.”

A cena sonidero da capital mexicana entrou em conflito em fevereiro, quando Sandra Cuevas, prefeita do bairro de Cuauhtemoc, proibiu as pequenas “danças” pop-up que durante anos reuniram os moradores do bairro de Santa Maria la Ribera. . A política afirmou que a sua decisão foi motivada por “muitas reclamações de ruído dos vizinhos” e propôs que fossem realocados para espaços fechados. Enquanto isso, as reclamações recebidas pelo Departamento Jurídico da Cidade do México por “ruído” entre janeiro e dezembro de 2022 totalizaram três.

Um mês depois, Cuevas inverteu a situação ao reconhecer os sonideros como “património cultural” e partilhar uma fotografia dela com 20 dos seus representantes detentores do título. Posteriormente, a secretária de cultura da Cidade do México, Claudia Curiel, afirmou que a declaração de patrimônio exigia um longo processo que envolvia autoridades e especialistas, e que só poderia ser oferecida pelo chefe de governo. “Não se trata apenas de entregar um diploma”, disse Curiel.

Joyce Multicolor cresceu em Iztapalapa, um bairro onde os sonideros são considerados uma tradição vitalícia. Ela via aqueles bailes que enchiam as ruas como uma fuga das suas responsabilidades: primeiro a escola, depois o trabalho. Era sua única distração, já que não havia casas noturnas por perto. “Não tínhamos acesso a essas coisas. Nosso único entretenimento e nossa única identidade eram aquelas festas de rua nos finais de semana.” Ela estudou análise musical e ritmos latinos para poder ensinar áudio, engenharia e análise musical. Então, há 14 anos, ela entrou no negócio de sonidero. Hoje ela tem 36 anos.

A fotógrafa suíça Mirjam Wirz estuda o fenômeno há 13 anos. Esta investigação a levou a conhecer alguns dos grandes sonideros da cidade, como o próprio Discos Morelos. Ela notou uma mudança desde que a popularidade deles chegou ao centro da capital. Ela começou a participar de eventos massivos; ela gostava de observar o ambiente, como as pessoas do entorno se reuniam, vendiam comida, ofereciam serviços de banheiro e muito mais. “Todos participaram daquele evento e parecia algo grande [...] é um estilo de vida”, diz ela. Ela capturou algumas dessas cenas em livros como Sonidero City. Wirz também percorreu os salões e eventos realizados por alguns sonideros da “primeira geração” (aqueles que estiveram envolvidos no fenômeno desde a década de 1970); eventos familiares menores que usavam discos de vinil em vez de pendrives.

Recentemente, Joyce Multicolor leu que a iniciativa de os sonideros serem declarados patrimônio estava “sob avaliação”. Ela não aceitou bem. "Eu estava ofendido. É um processo que já dura mais de 60 anos na Cidade do México e não creio que seja necessária uma investigação”. O fenômeno sonidero esbarrou em estigmas de classe, assim como alguns gêneros como o rap ou o reggaeton. Durante anos, superou a barreira. Joyce é um exemplo vivo: “Nestes 14 anos trabalhei em todos os lugares, desde os lugares mais marginalizados até festivais internacionais, e no final é o mesmo trabalho, nunca tento mudar. Sonidero é sonidero, não importa onde você vá”, declara.